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Reflexão: Pedro Esteves
O que é um trabalho digno?

Pedro Esteves é Presidente da Juventude Operária Católica.

Será um trabalho digno aquele que paga bem? Aquele com bons horários? Aquele com um contrato estável? Sim e não, pois um trabalho digno tem de ser isto tudo ao mesmo tempo e muito mais. Eu diria que todos os trabalhos, são dignos, podem é ter condições que não dignificam a pessoa.

 

Pois, estarei eu a ser dignificado num trabalho com horários que permitam a conciliação com a vida pessoal, com contrato estável, mas com um salário de miséria que não chega para pagar uma renda de uma casa? Creio que não. E estarei eu a ser dignificado num trabalho que pague bem, mas que não permita uma conciliação com a vida pessoal e/ou sem contrato estável? Também acho que não.

 

Porém, acredito que um trabalho digno tenha mais do que estas 3 vertentes, tem também a vertente do crescimento pessoal.Quer o crescimento como pessoa, quer o crescimento como santo. Primeiramente, o trabalhador deve se sentir realizado no trabalho, quer seja ao sentir-se útil, ao sentir que é valorizado, ao fazer aquilo que gosta ou todas ao mesmo tempo. Em segundo o trabalhador tem uma missão santificadora, que a aplica no trabalho e leva para a vida.

 

Esta missão acontece porque, citando Cardijn “sem trabalho não existe nada, sem trabalho a criação não tem qualquer valor. É o trabalho que deve continuar a obra da criação, utilizar a criação, descobri todas as riquezas que há na criação e pô-las ao alcance de toda a humanidade, para que possa realizar a sua vocação. Sem trabalho nada, nem do ponto de vista moral, nem do ponto de vista religioso ou intelectual. Sem trabalho, nem uma hóstia, nem uma gota de vinho para consagrar, nem uma igreja. Não é possível religião sem trabalho.”

 

E esta vocação divina não pode ser realizada por mais ninguém, porque cada jovem é único. A vocação divina contínua noutro aspeto, a da Evangelização dos seus camaradas jovens trabalhadores, trabalho este que só pode ser realizado através da conquista da própria vocação divina, pois só através da conquista da mesma é que se pode iluminar os outros sobre a sua vocação divina. E este trabalho é de extrema importância, pois hoje em dia, cada vez mais os trabalhadores e em particular os jovens trabalhadores, são cada vez mais atacados nos seus empregos, quer seja sob a forma de um contrato precário, um salário precário entre tantos outros ataques que sofrem, sendo tratados como engrenagens desta máquina do falso lucro e crescimento infinito ao invés de serem tratados como aquilo que são, filhos e filhas de Deus, merecedores do amor de Deus, que esse sim, é infinito.

 

Novamente citando Cardijn “Cada trabalhador e cada trabalhadora deve viver a experiência do amor de Deus, da verdade de Deus, do coração de Deus, da dignidade de Deus. E é, por isso, que são invioláveis como o próprio Deus. (…) quem abusar de um trabalhador e de uma trabalhadora: abusa de Deus”.

 

No fundo esta é a missão divina de toda a classe trabalhadora, estabelecer condições da própria classe trabalhadora poder realizar a sua própria missão divina. Os ataques aos trabalhadores, são um ataque a outra da sua missão divina, a da criação de uma família. Como é que se quer que existam famílias, se as pessoas não têm capacidade se sustentar a elas próprias, quanto mais sustentar a geração vindoura.

 

Como é que é suposto cumprir este desígnio divino, sem as condições para o fazer? Como é possível cumprir este desígnio quando as condições de trabalho penalizam, ao invés de favorecer a vida familiar do trabalhador. Teremos então, para cumprir este desígnio, de condenar os nossos filhos a uma vida de fome e de miséria. Creio que não.

 

Eu diria que isto tudo impacta naquilo que é um trabalho digno. É um trabalho que permita ao trabalhador cumprir a sua missão divina, como trabalhador e como homem. Aproveito ainda para questionar, e qual a missão da Igreja para a luta por um trabalho digno? Bem, eu diria que muita, pois tem de ser a Igreja a educar os leigos, para que esses leigos possam ir evangelizar os trabalhadores e que possam cumprir a sua missão divina.

 

Porém, volto a fazer outra questão, tem a Igreja como hierarquia cumprido o seu papel? Eu diria que na sua grande maioria não. A falta de apoio e de acompanhamento da hierarquia aos movimentos de trabalhadores Cristãos é notória. Existe, assim como Cardijn sentiu na transição so século XIX para o século XX, um grande afastamento dos trabalhadores com a Igreja, isto porque a própria Igreja se afastou dos trabalhadores, descredibilizou e desincentivou o trabalho dos padres operários, trabalho esse que evangelizou as massas e permitiu uma reaproximação da classe trabalhadora à Igreja.

 

A estrutura da Igreja voltou a tornar-se uma estrutura elitista, que só serve alguns e que vive no luxo e na opulência, sendo esta opulência por vezes quebrada por elementos individuais, esquecendo-se a estrutura da Igreja que o verdadeiro templo é o próprio Cristo, aquele que em três dias reergueu o templo.

 

Por isso deixo também o apelo a toda a hierarquia da Igreja, que voltem a olhar para o trabalhador como filho de Deus, não por pena, mas por ser alguém merecedor do amor infinito de Deus, que saiam dos templos de marfim e que se reaproximem dos trabalhadores, dos mais pequeninos e que conheçam a sua realidade e que percebam que os trabalhadores são só filhos de Deus à espera de serem evangelizados. No fundo, que, ao invés de se afastarem desta missão, sejam parte integrante desta missão divina concedida aos trabalhadores, a evangelização dos trabalhadores para a construção de um trabalho digno.

04.11.2024

A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.

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