Indústria Bélica ou melhor Estado Social?
As zonas urbanas sensíveis são sinónimo de aglomerado de problemas. Esta zonificação é sinónimo de injustiça, abandono do Estado, discriminação negativa e concentração de pobreza em territórios periféricos e de má fama.

José António Pinto “Chalana” é Técnico Superior de Serviço Social.
Estes locais de residência são laboratórios de análise do fracasso das políticas públicas de proteção social. A má localização, a falta de equipamentos sociais, a inexistência de infraestruturas e de serviços de apoio à comunidade como uma boa rede de transportes, as precárias condições de alojamento, a ausência de participação política dos moradores, a baixa qualidade do serviço público de educação, os minúsculos salários e pensões, a inexistência de oferta cultural, tudo isto são fatores que conjugados contribuem para agudizar o estigma inferiorizante destes bairros. A má fama, a reputação negativa, a delinquência, o comportamento desviante e o crime, são agora explicados, não por causa das inadequadas politicas sociais do capitalismo, mas por causa dos imigrantes. A causa dos problemas deixa de estar centrada não só na pobreza e na exclusão social mas também por causa da imigração e da insegurança que daqui resulta. Este paradigma de análise permite criminalizar a pobreza. Permite às políticas securitárias do neoliberalismo, apostar na repressão, no reforço do investimento policial como medida reparadora.
Ora, a polícia é sempre sentida nestes territórios como um corpo estranho. Nestes locais de residência existe uma identidade, um sentimento de pertença, laços de sociabilidade e espírito comunitário entre os moradores. Não cabe à polícia cumprir o papel social do Estado. O Estado deve cumprir o seu papel e a sua missão de proteção com políticas públicas que combatam a desigualdade de meios, recursos e oportunidades que se sentem negativamente nestas geografias. São por isso, necessárias, políticas integradas e multidisciplinares, na área da educação, cultura, habitação, saúde e emprego. Não se gera mudança e qualidade de vida com políticas avulsas, sem planeamento, sem investimento digno, sem envolvimento direto dos moradores, sem vontade política. A intervenção no edificado é importante mas insuficiente. Os governos que adotam politicas económicas e sociais neoliberais têm definitivamente que perceber que os mínimos do atual Estado Social já não são suficientes para evitar a revolta dos mais desfavorecidos. A constante degradação das condições materiais e de vida que afeta os mais pobres e também a classe média exige o reforço do investimento no Estado Social.
Segundo dados publicados no relatório “Portugal balanço social 2024” 900 mil pessoas estão em situação de pobreza absoluta e mais de 100 mil famílias vivem com rendimentos insuficientes para cobrir pelo menos o custo do cabaz alimentar essencial. Perante este diagnóstico social trágico o governo de Portugal e a Comissão Europeia anunciam o reforço das verbas na militarização, na indústria bélica, nas despesas de Defesa. Quer isto dizer, retirar recursos aos serviços públicos e às funções socias do Estado para cumprir esta orientação ideológica. Esta opção política vai castigar os de sempre.
Os que já sofreram com a austeridade da Troika na crise de 2008, os que ficaram para trás por causa da pandemia, das guerras, das crises cíclicas do capitalismo. E sempre com os falsos argumentos que são apresentados às populações. Temos de nos defender do inimigo por causa da nova ordem internacional. Existe o perigo de o inimigo nos fazer mal. Temos de estar preparados para o pior. A guerra pode entrar nas nossas fronteiras. Ora eu creio que o maior perigo é mesmo o populismo, o crescimento da extrema-direita, o descrédito na classe política, a degradação da democracia carregada de corrupção e de incompetência para resolver os problemas dos cidadãos.
Para mim o perigo não está na possibilidade de Portugal ser invadido por um país inimigo. O perigo está na falta de habitação pública acessível, na fragilidade do sistema nacional de saúde, nos baixos salários e pensões, na incapacidade de acolher com dignidade e respeito os imigrantes. É aqui que devemos investir e não em armas como não se cansa de insistir o Papa Francisco.
28/02/2025
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