Natal, tempo de (des)esperança

Portugal atravessa uma grave crise social que se manifesta no agravamento da pobreza para mais de 17% da população, particularmente nas grandes cidades e afectando em especial a juventude e as mulheres. O aumento do custo de vida veio evidenciar a realidade dos baixos rendimentos dos trabalhadores, reformados, e pensionistas. A injusta repartição da riqueza perpetua-se, com os grandes grupos económicos a arrecadarem cerca de 25 milhões de euros por dia. A precariedade laboral é uma realidade que limita projectos de vida individuais e familiares. O Papa Francisco tem advogado o combate às causas da pobreza: a desigualdade e a falta de trabalho, terra, e tecto, assim como a negação de direitos sociais e laborais e a desconsideração pela dignidade de outrem.

Na Palestina, decorre uma agressão devastadora em resposta a um violento ataque terrorista em Israel, que tem massacrado o povo palestiniano na Faixa de Gaza, mas também na Cisjordânia. De dia para dia, aumenta o número de mortos e expande-se a destruição, sem que nenhum lugar seja seguro, nem mesmo unidades de saúde ou locais religiosos. Os conflitos armados têm ceifado muitas vidas noutros pontos do planeta: na Ucrânia, em Myanmar, na Etiópia, no Sudão, na região do Magrebe, entre outros. Como Francisco não se tem cansado de dizer, “a guerra é sempre a derrota da humanidade”.

O Natal pode ser um momento de recuperação e manutenção da esperança. É uma festa que celebra o nascimento de Jesus Cristo, Deus entre a comunidade humana. Mesmo para quem não é cristão, é uma oportunidade para contemplarmos uma nova vida a brotar e o seu significado. É um antídoto ao desespero do qual o populismo e o extremismo tanto se aproveitam para semear o ódio em vez da fraternidade, para consolidar a injustiça social em vez da igualdade, e para manter relações de dominação em vez de liberdade. A época natalícia convida à transformação. Convida-nos a (re)nascermos com o nascimento de Jesus. Desperta-nos para o empenho na construção de um país mais justo, mais solidário, mais desenvolvido. Anima-nos na defesa da paz e cooperação entre as nações, nomeadamente exigindo um cessar-fogo imediato na Palestina e a negociação para a libertação de reféns e prisioneiros, instando os membros da ONU a reconhecer o Estado da Palestina, a proibir os colonatos israelitas que ocupam território palestiniano, e a promover uma solução de convivência pacífica de dois Estados.

Ter esperança não é obrigarmo-nos a um optimismo pateta que evita ou ignora as contrariedades que o mundo nos impõe. A verdade é que o Natal é também um tempo de muitas dificuldades, através das quais a desesperança espreita: Maria e José estão em viagem, longe de casa, e Jesus nasce em Belém numa manjedoura porque ninguém lhes ofereceu lugar para se hospedarem, e depois fogem para o Egipto para que o recém-nascido não seja morto. Ter esperança é, então, ter força para enfrentar as contrariedades com a confiança de que o mundo não tem de ser como é e a capacidade de imaginar e edificar um mundo transformado. Jesus vai falar-nos de um mundo em que o amor orienta as relações pessoais e a partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano regula as relações sociais. É aqui que tudo (re)começa.